A Petrobras tem consultado distribuidoras de combustíveis em busca de tanques para guardar provisoriamente sua produção de gasolina, em um momento em que decidiu ampliar as produções de suas refinarias, tanto para garantir o abastecimento de gás de cozinha quanto para produzir combustível de navegação.
A estratégia indica gargalos na capacidade nacional de armazenamento de derivados de petróleo em meio à pandemia do coronavírus, que derrubou as vendas de combustíveis automotivos no país. Segundo autoridades, porém, ainda não há problemas para estocar petróleo no Brasil.
As vendas de gás de cozinha cresceram 12% em março após o início das medidas de isolamento para conter a contaminação pelo novo coronavírus. A expectativa do setor é que os números de abril venham ainda maiores, já que consideram o mês inteiro de isolamento.
O cenário levou a Petrobras a intensificar as importações do combustível, mas há gargalos também na estrutura para trazer o produto ao país. Gasolina e gás de cozinha são produzidos nas mesmas unidades de refino, o que significa que o aumento na produção de um deles amplia também a do outro.
A redução do nível de utilização das refinarias havia sido anunciada no início da pandemia, mas foi revertida na semana passada. Além da demanda por gás de cozinha, a Petrobras vem sendo beneficiada pela maior procura, no mercado internacional, por combustível de navegação menos poluente.
Segundo dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior), as exportações de óleos combustíveis pelo Brasil vêm se sustentando em elevados patamares apesar da crise. Na média diária de abril, até a semana passada, foram 71,2 mil toneladas, 47,6% a mais do que no mesmo mês de 2019.
O aumento das vendas ocorre desde o fim de 2019, atingiu recorde em fevereiro, e se mantém durante a pandemia em resposta a novas restrições a emissões de poluentes no transporte marítimo que começaram a vigorar em janeiro.
Com baixo teor de enxofre, o petróleo do pré-sal produz combustível para navios mais limpo e é valorizado por isso: em 2019, a Petrobras chegou a vender o barril com prêmio de US$ 4 sobre a cotação do Brent, referência internacional negociada em Londres.
A exportação de petróleo também vem em alta: em abril, a Petrobras atingiu recorde histórico nas vendas de óleo para o exterior, com a marca de 1 milhão de barris por dia. No início da pandemia, a estatal havia estabelecido um teto para a produção de petróleo em 2,07 milhões de barris, mas também reviu a decisão.
“Com a evolução da demanda por nossos produtos se mostrando melhor do que o esperado, optamos pelo retorno gradual para um patamar de produção média de 2,26 milhões de barris por dia, acompanhado de aumento do fator de utilização da capacidade de refino”, disse a empresa.
Suas refinarias, que chegaram a operar quase à metade da capacidade na primeira quinzena de abril, estão retomando as operações para produzir mais combustível. No dia 26, segundo o MME (Ministério de Minas e Energia), estavam em pouco mais de 60%.
A mudança de rumos deslanchou um esforço para evitar estrangulamento da capacidade de armazenamento de outros derivados. Uma das estratégias é a busca por tanques de outras empresas para colocar produtos que saem das refinarias junto com o combustível marítimo.
Em outra frente, a empresa acelerou a realização de leilões de gasolina e diesel com descontos para atrair distribuidoras que ainda tenham tanques disponíveis e queiram aproveitar para guardar produto mais barato. Apenas na semana retrasada, foram realizadas duas ofertas.
Não há dados públicos sobre o uso da capacidade de armazenagem de combustíveis no país, mas o setor vê gargalos diante da queda da demanda, percepção reforçada pela estratégia que a estatal vem colocando em prática.
Para especialistas, a situação pode piorar caso o governo aprove a elevação de impostos sobre a gasolina para melhorar a competitividade do etanol. Por algumas ocasiões neste mês, a Petrobras já alertou para os impactos da medida, que é defendida pelos usineiros, sobre suas operações.
Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), refinarias, terminais e distribuidoras no país podem guardar até 137 milhões de barris de combustíveis, o equivalente a 77 dias de produção de derivados em 2019.
Em nota à Folha, a Petrobras confirma que consultou clientes sobre a disponibilidade de tanques para estocar temporariamente seus produtos. Já a infraestrutura para armazenar petróleo tem “folga razoável”, diz a companhia.
A falta de espaço para guardar o óleo nos Estados Unidos levou a cotação do petróleo tipo WTI (West Texas Intermediate), referência no mercado americano, a operar em terreno negativo pela primeira vez na história no dia 20 de abril.
A crise colocou no noticiário internacional a pequena Cushing, cidade de 7,8 mil habitantes no estado americano de Oklahoma, que é um dos principais centros de armazenagem de petróleo nos EUA.
Na sexta-feira anterior ao colapso do WTI, 76% da capacidade de armazenagem em Cushing estava ocupada. Na sexta seguinte, já eram 81%. Com medo de não ter onde guardar petróleo, investidores preferiram pagar para não receber os barris.
O problema é mais acentuado nos Estados Unidos, mas há gargalos em outros países. O setor vem recorrendo a navios como alternativa de tancagem, o que fez as ações de empresas de transporte marítimo de petróleo dispararem.
Entre o dia 20 e esta segunda (4), o valor de mercado da Nordic American Tankers , por exemplo, saltou 50,4%. Apenas no dia do colapso no contrato do WTI, a empresa subiu 19%. Outras companhias do setor também dispararam no dia, como a Scorpio Tankers, que experimentou valorização de 12%, e a Tsakos Energy Navigation, com alta de 18%.
No Brasil, boa parte da produção é guardada nos tanques das próprias plataformas - devido às dificuldades para construir dutos ligando os poços em alto-mar ao litoral, a Petrobras é a petroleira global que mais usa unidades conhecidas como navios-plataformas.
Segundo a ANP, os navios-plataformas em operação em águas brasileiras podem guardar 87 milhões de barris de petróleo. Em terminais e tanques de refinaria, há espaço para outros 76 milhões de barris. Essa infraestrutura garantiria 57 dias da produção média de 2019.
“Mesmo com a redução da demanda por derivados de petróleo, a capacidade de armazenamento de petróleo continua bastante robusta”, diz a ANP.
“Armazenagem não é um problema para o Brasil. A Petrobras pode cortar produção se não tiver mais como armazenar. E, por mais que você armazene e venda depois, o alto nível do estoque leva o preço a cair, o que não é vantajoso para a Petrobras”, afirma Luiz Carvalho, analista do banco suíço UBS.
Além disso, por ser altamente inflamável, o custo de armazenamento e transporte do petróleo é alto.
“O petróleo pode conter gases que, em contato com o oxigênio, podem explodir. É necessário um sistema de ventilação adequado ou tanques sem oxigênio. Se tivesse espaço e o custo de estocagem não fosse tão caro, valeria a pena comprar”, afirma Ricardo Cabral de Azevedo, professor do curso de Engenharia do Petróleo da USP.
POSTOS MANDAM CARTA A BOLSONARO CONTRA AUMENTO EM TRIBUTO
Entidades que representam donos de postos de gasolina enviaram carta ao presidente Jair Bolsonaro se posicionando contra a proposta de aumento de impostos sobre a gasolina, que vem sendo negociada pelos produtores de etanol.
Na sexta (1º), o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), que integra a Frente Parlamentar da Agropecuária, afirmou que o governo já tomou a decisão de elevar em R$ 0,20 por litro a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que hoje é de R$ 0,10, e instituir imposto de importação sobre a gasolina. O Ministério da Economia afirmara que nenhuma decisão havia sido tomada.
"Esse aumento viria em um momento completamente inoportuno para a revenda de combustíveis, que também está em crise, com queda vertiginosa nas vendas", dizem os donos de postos na carta, que é assinada pela Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes) e por 34 sindicatos.
Os donos de postos sugerem que, em vez de ampliar o imposto sobre a gasolina, o governo zere a alíquota de PIS/Cofins sobre o etanol, que também é um dos pleitos dos usineiros. Os produtores de etanol pedem ainda crédito para financiar os estoques que estão empacados por falta de demanda.
Folha de São Paulo
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